segunda-feira, 9 de maio de 2016

Capítulo 11

















A esperança do Paulista

Chegando à rua do bar do Valtinho, num sábado à tarde, o Paulista desce da Saveiro com o coração batendo um pouco mais apressado. Terminava ali sua carona. O resto do caminho faria a pé e isso não o preocupava nenhum pouco, a tarde estava linda. Uma típica tarde de janeiro, com céu azul impecável e o sol brilhando ainda muito forte. Faltavam quinze minutos para as cinco horas. Seria o tempo necessário para alcançar o sobrado amarelo, dar um grande e gostoso beijo no filho e na mulher, tirar a roupa, botar uma sunga e cair na água esverdeada, fazer xixi quietinho com os olhos fechados, pensando na vida...

A maré batia calmamente nas pedras e encorajava seus passos apressados. Boné laranja e amarelo com a aba comprida protegendo os olhos, camiseta, bermuda e tênis sem meia. Na mão uma sacola plástica com a pequena bagagem. Foi-se mais uma longa semana de solidão na casa da sogra. Era janeiro de 2003. Finalmente ele havia conseguido um emprego em Cachoeiro. Terra de gente famosa, a capital secreta do mundo. Quem diria que ele faria o caminho inverso ao de tanta gente? Caminho contrário ao dos que saíram da pequena cidade para tentar a sorte num grande centro. Entre eles, Zaninha, sua querida Susana que ele conheceu por acaso num grande prédio da avenida Paulista. Parece até que ela havia deixado Cachoeiro há tantos anos somente para encontrá-lo. Um encontro marcado pelo destino. 

Enquanto pensa, caminha com vontade na estrada de terra. Dali avista o sobrado amarelo, faltam só uns quinhentos metros. Isso não é nada quando se tem ao lado um mar imenso, uma eternidade de água e de pensamentos num curto espaço de quinze minutos. Assim caminha a cabeça do Paulista, seu coração, sua alma lavada, a vida recomeçando...

Chega ofegante, passa a mão por cima do portão azul na ânsia de soltar o trinco e entrar de surpresa. Lá de dentro o filho ouve o som do portão e desgarra-se como um novilho.

- Papai!

- Vem cá, meu gatão, me dá um abraço!

- Por que você demorou tanto? – pula no pescoço do pai. 

- Porque papai está trabalhando e só pode vir no final de semana. Eu falei isso pra você, está lembrado? Eu falei que ia demorar.

- É que eu não sabia que demorar demorava tanto!

- Cadê mamãe?

- Está na praia. 

- É pra onde papai vai agora. Vamos comigo?

- Eu já fui e voltei. Tia Marizete que trouxe eu. A mamãe ficou lá com uns amigos dela. Eu estou jogando videogame com a minha prima.

- Então continua jogando porque papai está louco pra cair na água, tá legal?

- Tá, paizão!

Num triscar de olhos chega na praia. De longe avista as barracas, as cadeiras e mesas amarelas com copos e garrafas espalhados na areia. Vê Zaninha em pé, de costas, biquíni preto, copo numa mão e cigarro na outra. Em volta dela as amigas de Vitória, com os respectivos maridos. Estela, casada com Felipe, e a irmã, Regina, casada com Zé Mario. Felipe, magro, barbudo, oclinhos escuro, cheio de conversa. Zé Mário, gordo, largadão, reservado quando interessa, gozador quando dão chance. 

Meio que nas pontas dos pés o Paulista chega tentando, sem sucesso, pegar a mulher de surpresa. 

- Gordinho!

Um beijo longo, molhado e esperado. Um abraço contido pra não denunciar a longa espera.

- Gordinho, essas aqui são minhas amigas de infância. Eu sei que eu já apresentei todos pra você, mas já faz tanto tempo.

- Ainda bem que você chegou porque essa mulher não para de falar de você! – Estela, quando fala, levanta a ponta do chapéu para dar mais ênfase. - É gordinho pra cá, gordinho pra lá...

- Bem que eu gostaria de ter uma mulher assim! – emenda Felipe, matreiro.

- Outra piadinha dessas e você vai embora pro Rio sozinho.

- Felipe e Estela estão indo de mudança pro Rio de Janeiro – esclarece Zaninha, rindo.

- Senta aí rapaz, toma uma cervejinha – convida amavelmente Zé Mário.

- Espera só um pouco que eu estou doido pra cair na água.

Como havia imaginado, nada melhor do que ficar de barriga pra cima, boiando, de olhos fechados, sendo levado pelas ondas, o xixi saindo sem pressa. Abre os olhos e avista o grupo na praia. Percebe que Zaninha está feliz, de porre, mas feliz. Sente um orgulho danado dela. Sua guerreira. O ano começa bem. Estão sem dinheiro, sem uma casa só deles, sem tempo e lugar pra se amar; mas estão mais leves, felizes com o crepúsculo das incertezas. 

- Lá vem meu gordinho... já não está mais tão gordinho, está perdendo toda a barriga aqui, só de andar, vocês acreditam?

- Olhaí, Zé Mário – provoca Felipe – pede a receita pra ele.

- Você e essa mania de achar que eu sou gordo. Eu não sou gordo, tenho volume, conteúdo.

- Senta aí, Paulista, toma uma cerveja enquanto tem porque nós já tomamos quase todas, sua mulher e eu estamos num porre só. Isso não é novidade, Estela é que está mal, nunca vi minha mulher tão travada. Ela só não caiu ainda porque não se levantou, se levantar cai.

- Liga não, Paulista, esse meu marido tem jeito não. Ele já é chato bom, imagina bêbado! 

Passam assim o resto da tarde, jogando conversa fora até ficarem apenas Zaninha e o Paulista. Eles entram na água, felizes feito crianças. Onda após onda Zaninha tenta se equilibrar, ajudada pelo marido. Quando parece não ter mais como ficar em pé, ele passa os braços em volta da sua cintura e cola seu corpo ao dela. Entregam-se às carícias típicas de amantes que se reencontram. Ficariam muito mais, não fosse a chegada do filho. Só aí Zaninha entende que está na hora de recolher a barraca. Volta pra casa andando em ziguezague. Sabe que à noite a dor de cabeça vai pegar, mas está feliz; uma felicidade ainda vacilante devido a algumas incertezas e à distância forçada do seu gordinho.

Na água ficam pai e filho saboreando aquele momento tão esperado. O paulista, ainda sóbrio, sabe da importância daquele fim de tarde. Já não carrega as preocupações da chegada, está mais leve, menos paulistano. A vida continua, de uma forma totalmente diferente daquele setembro de 2001. O mundo vive a ansiedade de uma nova guerra, de proporções ainda maiores do que a causada pela queda das duas torres. Pra onde caminhará a humanidade? Pensa ele num lampejo filosófico de novo milênio. A resposta, com certeza, não estará ali no Bairro do Juá. A única certeza que esse pedaço de chão capixaba pode lhe dar é que ele está vivo, lutando pela felicidade sua e da sua família, com uma percepção muito mais aguçada do significado da vida. A percepção que só o tempo e a capacidade de ultrapassar com bom humor os obstáculos cotidianos podem proporcionar.

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