segunda-feira, 9 de maio de 2016

Capítulo 9

















O rei da festa

Gerson Maia é um profundo conhecedor dos bastidores da política capixaba, tendo feito já várias campanhas para uma infinidade de candidatos. Ultimamente anda meio desiludido com a política, ou melhor, com os políticos locais. Fazendeiro, também anda desiludido com a doce arte de cultivar e viver da terra. Só duas coisas ainda não o desiludiram por completo: uma boa cachaça de alambique e o prazer de contar histórias. Apreciador inveterado da nossa cachaça, não admite misturas, exige pureza. Quanto às histórias o que vale é uma boa mistura entre ficção e realidade. Nisso ele é mestre! De tão bom consegue arrancar gargalhadas de um mesmo caso contado e recontado pela vida afora. Cada vez que ele narra o mesmo fato, sempre coloca um ingrediente a mais, aumentando assim o suplício dos personagens principais dos seus causos. Adora receber os amigos na casa da praia. Ali ele fica à vontade tomando sua cachaça, com seu copinho de licor ao lado da garrafa de aguardente da vez.

Naquela tarde de sábado, Gerson começou a beber cedo e àquela altura já estava no ponto. Foi quando chegaram Susana e o Paulista. Gerson estava quase no clímax de mais uma de suas histórias e a galera atenta aguardava o desfecho. A chegada de Susana quebrou o encanto, pois a atenção dos presentes se voltou para ela. Todos ali a conheciam como Zaninha e alguns deles há muito tempo não a viam, caso do Manteiga.

- Zaninha! Há quanto tempo, minha filha!

- Para com isso, Manteiga, não faz tanto tempo assim.

- Não? Acho que já faz uns cinquenta anos que a gente não se vê.

- Você está me confundindo com alguma amiguinha sua de infância. Pelo jeito você continua o mesmo.

- Eu não envelheço. Quando percebo algum sinal da idade, eu troco de mulher. Sempre por uma mais nova, é claro!

- Ele continua o mesmo mentiroso de sempre – intromete-se Gerson - nunca aguentou mulher nova quando era moço, vai aguentar agora depois de velho?

Após ouvir comentários os mais variados a respeito da sua santa missão na terra, ou seja, aguentar Zaninha, o Paulista senta-se ao lado do Gerson enquanto a esposa fica entre o Manteiga e uma senhora de cabelos vermelhos, adiantada na idade, mas jovial no senso de humor. 

- E você Gerson Maia, contando muita mentira também?

- Eu não conto mentira, Zaninha. Só relato as coisas que vejo, não tenho culpa se as pessoas não têm senso de ridículo. Por falar nisso, lembra do Valfrido? 

- Claro, ano passado mesmo a gente se viu aqui. E depois, meu filho, essa história aí você já me contou umas cinco vezes.

- Então fica quieta porque eu ainda não ouvi – reclama Manteiga.

- O Valfrido – emenda Gerson Maia - tem muito dinheiro, mas continua sendo aquele mesmo caipirão de sempre. Andava desconfiado que estava com problemas na próstata, mas adiou o quanto pode o exame de toque. Até que o dia chegou. O médico estava se preparando pra fazer o exame, mas antes de começar foi fazendo algumas perguntas. Lá pelas tantas perguntou: “quer dizer então que o senhor gosta de sexo anal?”, sugerindo, em outras palavras, que o Valfrido gostava de dar o loló. Na sua inocência, ele achou que o médico estava perguntando se ele gostava de botar por trás. 

Gosto sim, doutor. 


- E o senhor faz isso com muita frequência? 


- Pelo menos quatro vezes por semana. 


- E o senhor acha que ainda está na idade de fazer isso com tanta assiduidade?


- Claro, me dá prazer eu faço!


- Sempre com a mesma pessoa?


- Não, eu procuro variar.


- E o senhor não fica preocupado com as consequências?


- Que consequências?


- Irritação na área, entre outras...


- Mas eu nunca senti isso.


- E dor? O senhor não sente dor quanto senta? 


- Aí – continua Gerson – Valfrido começou a ficar preocupado. Já não estava tão à vontade na cadeira, um suor frio começou a escorrer do seu rosto. O médico, ao contrário, estava cada vez mais determinado a confirmar suas desconfianças. 

- O senhor está querendo dizer o quê com isso?


- Estou apenas querendo confirmar o óbvio.


- Que óbvio?


- Oras, que o senhor como homossexual que sofre de hemorroidas só faz agravar o mal tendo tantas relações e com tantos homens diferentes.


- Viado, eu, o senhor está louco? Quer saber duma coisa? O senhor vá à merda! 


- Levantou-se e pocou fora. – conclui Gerson Mais - Olha! Deu canseira pra fazer ele voltar num médico de novo. Ficou traumatizado, coitado. 

- Agora vocês imaginam Gerson contando essa história lá no restaurante do Maksoud Plaza? Contando alto, com muito mais detalhes e eu e o gordinho pocando de tanto rir.

- Vocês sabiam – pergunta Gerson - que no mês passado um velho morreu do coração num puteiro lá em Cachoeiro? 

- É mesmo? – admira-se Manteiga – Quem foi? Como é que eu não fiquei sabendo?

- Você não ficou sabendo por que o caso foi abafado. E eu também não vou dizer quem é.

- É história de Gerson, Manteiga – afirma Zaninha – você não conhece a figura?

- História coisa nenhuma! Foi um senhor muito conhecido da sociedade cachoeirense. Todo mundo soube que ele morreu, o que ninguém ficou sabendo é que foi no puteiro porque ele estava junto com uns amigos que agiram rápido e não deixaram nenhum vestígio. Quando ele deu o último suspiro em cima da quenga, ela começou a gritar que nem uma condenada e cortou o tesão da zona inteira. Os amigos dele correram pro quarto e antes que juntasse gente, apanharam o corpo, botaram roupa nele e levaram o defunto lá pra Toca do Gambá. Como estava escuro, ninguém percebeu nada. Sentaram ele direitinho na cadeira, botaram um copão de cerveja numa mão e na outra um pratão de “Péla Égua”. Ficaram todos em volta do finado, na maior agitação, contando histórias. Um deles balançava a cabeça do morto como se ele estivesse aprovando ou desmentindo. Perto de meia-noite, armaram a maior cena como se ele tivesse sofrido um ataque fulminante enquanto comia o “Péla égua”. Cachoeiro inteira ficou achando que o homem morreu de enfarte lá na Toca do Gambá. Chegaram até a dizer que foi por causa da comida.

- E você lembra, Gerson, do fogo que tomou o Robertinho lá em São Paulo? A primeira vez na vida que eu vi Roberto bêbado.

- Primeira e única, que ninguém nunca mais vai ver um troço tão ridículo de novo. A gente estava lá na Churrascaria Rodeio, todo mundo comendo carne e tomando cerveja. Estavam eu e Selma, Robertinho e Vera, e mais Zaninha. Eu, vocês sabem, só bebo destilado. Robertinho se empolgou e começou a misturar tudo. Agora, imaginem quem nunca bebeu fazer aquele festival todo... Não podia dar outra. Nunca vi Robertinho falando tão alto, fazendo comentários maldosos com pessoas que ele nunca tinha visto. Vera, coitada, não estava aguentando mais o vexame. Quando ele começou a cantar Meu pequeno Cachoeiro no meio da churrascaria, foi a conta! Eu falei pra ele “Robertinho, eu aguento tudo, mas Roberto Carlos há essa hora não dá. Me poupe!”, e o pior é que ele ficou emocionado e, além de cantar chorando, ainda fez discurso enaltecendo a bravura e o esplendor do povo de Cachoeiro. Eu não tive outro jeito senão levar o homem pro banheiro e enfiar a cabeça dele debaixo da torneira. Enfiei a mão na goela dele e o bicho vomitou que foi uma beleza. Emporcalhou todo o banheiro. Depois pocamos fora os dois como se nada tivesse acontecendo. Aproveitei e pedi a conta. Nisso a churrascaria toda estava olhando pra nós, Vera não sabia onde enfiar a cabeça e Selma, minha digníssima esposa, só fazia rir. Zaninha e eu éramos os mais lúcidos. Só sei que quando saímos de lá, já passava da meia-noite.

- E você lembra, Gerson – corta Zaninha – que a gente estava esperando o manobrista chegar e o Robertinho cismou que tinham roubado o carro dele?

- Isso mesmo! Como se não bastasse a vergonha toda que ele fez a gente passar lá dentro, ainda guardou um showzinho pro lado de fora. Mas o pior ainda estava pra acontecer. Quando nós voltamos pro hotel e já estava todo mundo dormindo, toca o telefone no meu quarto. Era Vera, dizendo que tinham roubado a carteira de Robertinho dentro do hotel. Aí foi um fuzuê danado! Desceu Vera, eu e Zaninha. Robertinho, bêbado que nem um gambá, ficou dormindo e Selma também apagou. Vera, então, armou o maior bafafá, acusando camareiras, faxineiros e quem mais fosse que aparecesse pela frente. O gerente do hotel, coitado, tentando como podia abafar o caso, enquanto Vera, no celular, chamava a polícia. Dali a pouco chega o camburão com quatro policiais e começa o interrogatório. Vera, possessa, acusando todo mundo, Zaninha dando uma força pra amiga. Eu grudei no ouvido do policial dizendo que era advogado e que o melhor era ir todo mundo pra delegacia. Já era duas e meia da manhã quando chegamos na delegacia da Consolação. No meio do caminho aumentou a quantidade de suspeitos porque o policial botou fé que eu era advogado e qualquer pessoa que eu falasse pra prender o homem apanhava e punha no camburão. Aí a gente se misturou com putas e viados pra alegria do delegado que queria mais é ver aumentar o tumulto pra noite passar rápido. No auge da confusão, Vera me cutuca e diz: “lembrei!”“Lembrou do quê?”, “Onde eu deixei a minha carteira...”, “Então cala a boca, senão a gente só sai daqui morto!”


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