O rei da festa
Gerson Maia
é um profundo conhecedor dos bastidores da política capixaba, tendo feito já
várias campanhas para uma infinidade de candidatos. Ultimamente anda meio
desiludido com a política, ou melhor, com os políticos locais. Fazendeiro,
também anda desiludido com a doce arte de cultivar e viver da terra. Só duas
coisas ainda não o desiludiram por completo: uma boa cachaça de alambique e o
prazer de contar histórias. Apreciador inveterado da nossa cachaça, não admite misturas,
exige pureza. Quanto às histórias o que vale é uma boa mistura entre
ficção e realidade. Nisso ele é mestre! De tão bom consegue arrancar
gargalhadas de um mesmo caso contado e recontado pela vida afora. Cada vez que
ele narra o mesmo fato, sempre coloca um ingrediente a mais, aumentando assim o
suplício dos personagens principais dos seus causos. Adora receber os amigos na
casa da praia. Ali ele fica à vontade tomando sua cachaça, com seu copinho de
licor ao lado da garrafa de aguardente da vez.
Naquela
tarde de sábado, Gerson começou a beber cedo e àquela altura já estava no
ponto. Foi quando chegaram Susana e o Paulista. Gerson estava quase no clímax
de mais uma de suas histórias e a galera atenta aguardava o desfecho. A chegada
de Susana quebrou o encanto, pois a atenção dos presentes se voltou para ela.
Todos ali a conheciam como Zaninha e alguns deles há muito tempo não a viam,
caso do Manteiga.
- Zaninha!
Há quanto tempo, minha filha!
- Para com
isso, Manteiga, não faz tanto tempo assim.
- Não? Acho
que já faz uns cinquenta anos que a gente não se vê.
- Você está
me confundindo com alguma amiguinha sua de infância. Pelo jeito você continua o
mesmo.
- Eu não
envelheço. Quando percebo algum sinal da idade, eu troco de mulher. Sempre por
uma mais nova, é claro!
- Ele
continua o mesmo mentiroso de sempre – intromete-se Gerson - nunca aguentou
mulher nova quando era moço, vai aguentar agora depois de velho?
Após ouvir
comentários os mais variados a respeito da sua santa missão na terra, ou seja,
aguentar Zaninha, o Paulista senta-se ao lado do Gerson enquanto a esposa fica
entre o Manteiga e uma senhora de cabelos vermelhos, adiantada na idade, mas
jovial no senso de humor.
- E você
Gerson Maia, contando muita mentira também?
- Eu não
conto mentira, Zaninha. Só relato as coisas que vejo, não tenho culpa se as
pessoas não têm senso de ridículo. Por falar nisso, lembra do Valfrido?
- Claro, ano
passado mesmo a gente se viu aqui. E depois, meu filho, essa história aí você
já me contou umas cinco vezes.
- Então fica
quieta porque eu ainda não ouvi – reclama Manteiga.
- O Valfrido
– emenda Gerson Maia - tem muito dinheiro, mas continua sendo aquele mesmo
caipirão de sempre. Andava desconfiado que estava com problemas na próstata,
mas adiou o quanto pode o exame de toque. Até que o dia chegou. O médico estava
se preparando pra fazer o exame, mas antes de começar foi fazendo algumas
perguntas. Lá pelas tantas perguntou: “quer dizer então que o senhor gosta
de sexo anal?”, sugerindo, em outras palavras, que o Valfrido gostava de
dar o loló. Na sua inocência, ele achou que o médico estava perguntando se ele
gostava de botar por trás.
- Gosto
sim, doutor.
- E o senhor
faz isso com muita frequência?
- Pelo menos
quatro vezes por semana.
- E o senhor
acha que ainda está na idade de fazer isso com tanta assiduidade?
- Claro, me
dá prazer eu faço!
- Sempre com
a mesma pessoa?
- Não, eu
procuro variar.
- E o senhor
não fica preocupado com as consequências?
- Que consequências?
- Irritação
na área, entre outras...
- Mas eu
nunca senti isso.
- E dor? O
senhor não sente dor quanto senta?
- Aí –
continua Gerson – Valfrido começou a ficar preocupado. Já não estava tão à
vontade na cadeira, um suor frio começou a escorrer do seu rosto. O médico, ao
contrário, estava cada vez mais determinado a confirmar suas desconfianças.
- O senhor
está querendo dizer o quê com isso?
- Estou
apenas querendo confirmar o óbvio.
- Que óbvio?
- Oras, que
o senhor como homossexual que sofre de hemorroidas só faz agravar o mal tendo
tantas relações e com tantos homens diferentes.
- Viado, eu,
o senhor está louco? Quer saber duma coisa? O senhor vá à merda!
-
Levantou-se e pocou fora. – conclui Gerson Mais - Olha! Deu canseira pra
fazer ele voltar num médico de novo. Ficou traumatizado, coitado.
- Agora
vocês imaginam Gerson contando essa história lá no restaurante do Maksoud
Plaza? Contando alto, com muito mais detalhes e eu e o gordinho pocando de
tanto rir.
- Vocês
sabiam – pergunta Gerson - que no mês passado um velho morreu do coração num
puteiro lá em Cachoeiro?
- É mesmo? –
admira-se Manteiga – Quem foi? Como é que eu não fiquei sabendo?
- Você não
ficou sabendo por que o caso foi abafado. E eu também não vou dizer quem é.
- É história
de Gerson, Manteiga – afirma Zaninha – você não conhece a figura?
- História
coisa nenhuma! Foi um senhor muito conhecido da sociedade cachoeirense. Todo
mundo soube que ele morreu, o que ninguém ficou sabendo é que foi no puteiro
porque ele estava junto com uns amigos que agiram rápido e não deixaram nenhum
vestígio. Quando ele deu o último suspiro em cima da quenga, ela começou a gritar
que nem uma condenada e cortou o tesão da zona inteira. Os amigos dele correram
pro quarto e antes que juntasse gente, apanharam o corpo, botaram roupa nele e
levaram o defunto lá pra Toca do Gambá. Como estava escuro, ninguém
percebeu nada. Sentaram ele direitinho na cadeira, botaram um copão de cerveja
numa mão e na outra um pratão de “Péla Égua”. Ficaram todos em volta do finado,
na maior agitação, contando histórias. Um deles balançava a cabeça do morto
como se ele estivesse aprovando ou desmentindo. Perto de meia-noite, armaram a
maior cena como se ele tivesse sofrido um ataque fulminante enquanto comia o
“Péla égua”. Cachoeiro inteira ficou achando que o homem morreu de enfarte lá
na Toca do Gambá. Chegaram até a dizer que foi por causa da comida.
- E você
lembra, Gerson, do fogo que tomou o Robertinho lá em São Paulo? A primeira
vez na vida que eu vi Roberto bêbado.
- Primeira e
única, que ninguém nunca mais vai ver um troço tão ridículo de novo. A gente
estava lá na Churrascaria Rodeio, todo mundo comendo carne e tomando cerveja.
Estavam eu e Selma, Robertinho e Vera, e mais Zaninha. Eu, vocês sabem, só bebo
destilado. Robertinho se empolgou e começou a misturar tudo. Agora, imaginem
quem nunca bebeu fazer aquele festival todo... Não podia dar outra. Nunca vi
Robertinho falando tão alto, fazendo comentários maldosos com pessoas que ele
nunca tinha visto. Vera, coitada, não estava aguentando mais o vexame. Quando
ele começou a cantar Meu pequeno Cachoeiro no meio da churrascaria,
foi a conta! Eu falei pra ele “Robertinho, eu aguento tudo, mas Roberto Carlos
há essa hora não dá. Me poupe!”, e o pior é que ele ficou emocionado e, além de
cantar chorando, ainda fez discurso enaltecendo a bravura e o esplendor do povo
de Cachoeiro. Eu não tive outro jeito senão levar o homem pro banheiro e enfiar
a cabeça dele debaixo da torneira. Enfiei a mão na goela dele e o bicho vomitou
que foi uma beleza. Emporcalhou todo o banheiro. Depois pocamos fora os dois
como se nada tivesse acontecendo. Aproveitei e pedi a conta. Nisso a
churrascaria toda estava olhando pra nós, Vera não sabia onde enfiar a cabeça e
Selma, minha digníssima esposa, só fazia rir. Zaninha e eu éramos os mais
lúcidos. Só sei que quando saímos de lá, já passava da meia-noite.
- E você
lembra, Gerson – corta Zaninha – que a gente estava esperando o manobrista
chegar e o Robertinho cismou que tinham roubado o carro dele?
- Isso
mesmo! Como se não bastasse a vergonha toda que ele fez a gente passar lá dentro,
ainda guardou um showzinho pro lado de fora. Mas o pior ainda estava pra
acontecer. Quando nós voltamos pro hotel e já estava todo mundo dormindo, toca
o telefone no meu quarto. Era Vera, dizendo que tinham roubado a carteira de
Robertinho dentro do hotel. Aí foi um fuzuê danado! Desceu Vera, eu e Zaninha.
Robertinho, bêbado que nem um gambá, ficou dormindo e Selma também apagou.
Vera, então, armou o maior bafafá, acusando camareiras, faxineiros e quem mais
fosse que aparecesse pela frente. O gerente do hotel, coitado, tentando como
podia abafar o caso, enquanto Vera, no celular, chamava a polícia. Dali a pouco
chega o camburão com quatro policiais e começa o interrogatório. Vera,
possessa, acusando todo mundo, Zaninha dando uma força pra amiga. Eu grudei no
ouvido do policial dizendo que era advogado e que o melhor era ir todo mundo
pra delegacia. Já era duas e meia da manhã quando chegamos na delegacia da
Consolação. No meio do caminho aumentou a quantidade de suspeitos porque o
policial botou fé que eu era advogado e qualquer pessoa que eu falasse pra
prender o homem apanhava e punha no camburão. Aí a gente se misturou com putas
e viados pra alegria do delegado que queria mais é ver aumentar o tumulto pra
noite passar rápido. No auge da confusão, Vera me cutuca e diz: “lembrei!”. “Lembrou
do quê?”, “Onde eu deixei a minha carteira...”, “Então cala a boca, senão a
gente só sai daqui morto!”
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